Projeto Cruviana: energia eólica e solar em terra indígena

Instituto Socioambiental (ISA), Conselho Indígena de Roraima (CIR) e Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Terra Indígena Raposa Serra do Sol

Cruviana é o nome usado pelos índios de Roraima para os ventos fortes da madrugada. A iniciativa do projeto Cruviana nasceu com a participação dos povos indígenas, uma parceria do Conselho Indígena de Roraima, Instituto Socioambiental (ISA), Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e demais parceiros. O projeto tem o objetivo de gerar energia solar e eólica em comunidades remotas como alternativa aos projetos hidrelétricos previstos para a região, que trazem vários impactos socioambientais negativos e destroem locais sagrados para os índios.

 

 

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Descrição

O projeto Cruviana foi criado após a realização de estudos preliminares do potencial eólico de localidades dentro da Raposa Serra do Sol com base no Atlas Brasileiro do Potencial Eólico. Segundo o Atlas, esta Terra Indígena é um dos locais com os ventos mais fortes do País. O Atlas indica que Roraima abriga a maior parte do potencial eólico da Região Norte, estimado em 12,4 GW. A área selecionada é conhecida como Região das Serras, onde vivem 12 mil indígenas em aproximadamente 100 comunidades.

– 2010: o marco de criação foi uma grande assembleia dos povos indígenas de Roraima (março/2010) que deliberou a favor da realização do estudo do potencial eólico e solar, repudiando firmemente planos defendidos pelo governo e Congresso Nacional de construção de grandes usinas hidrelétricas no Estado de Roraima. Nos meses seguintes, diversos encontros, reuniões e seminários foram realizados com lideranças indígenas do CIR para discutir e responder perguntas sobre energias alternativas com vento e com sol. imagens de turbinas e equipamentos para geração de energia eólica e solar, p.ex., foram apresentadas aos indígenas. No ano seguinte, uma comitiva de lideranças indígenas viajou ao Maranhão para visitar o sistema de geração de energia na comunidade de pescadores da Ilha de Lençóis.

– 2012: iniciaram-se as reuniões formais do projeto com gestores públicos do programa Luz para Todos. O governo informou não ter recursos para financiar estudo de potencial, apenas para instalar os sistemas de geração. Nos meses seguintes, o Cruviana iniciou a capacitação de pesquisadores indígenas, selecionados por indicação de lideranças locais. Em novembro, iniciaram-se os estudos sobre demanda energética, com a finalidade de estimar a quantidade de energia que precisa ser gerada para atender as famílias e as atividades produtivas, e também as distâncias envolvidas na distribuição dessa energia. Para esse estudo, foi formada uma equipe com 14 pesquisadores indígenas que percorreram a região, fazendo o mapeamento com GPS e aplicando questionários de casa em casa.

– 2013: três torres meteorológicas de medição de vento foram instaladas na TI-RSS em locais escolhidos pelas lideranças (comunidades Tamanduá, Maturuca e Pedra Branca) e aprovados em assembleia regional. Três pesquisadores indígenas foram treinados para realizar a coleta e o armazenamento dos dados e para monitorar e fazer a manutenção das torres. No final do ano, uma comitiva com nove integrantes visitou mini-hidrelétricas em quatro municípios no estado do Mato Grosso para conhecer as características e os impactos de usinas semelhantes a que o governo federal pretende construir em Roraima (Cachoeira da Andorinha, rio Uailã. A Assembleia dos Tuxauas da Região das Serras, entretanto, rejeitou a continuidade dos estudos com energia hídrica.

– 2014: foram concluídos o Relatório Final do Estudo de Potencial e o Projeto Técnico para três estações meteorológicas, que reafirmam a viabilidade técnica de aproveitamento do potencial eólico e solar na TI-RSS. Os resultados foram apresentados à coordenação do programa Luz para Todos e a representantes da Eletrobrás e Companhia Energética de Roraima (CERR). Em um amplo seminário, lideranças indígenas deliberaram a continuidade dos trabalhos visando à instalação de sistemas híbridos solar-eólico-diesel, nas comunidades Maturuca, Tamanduá e Pedra Branca. Foram avaliados 2 modelos: (a) sistema ‘vento+sol+diesel’, e (b) sistema ‘sol+diesel’, ambos com uso principal de energia renovável utilizando banco de baterias e diesel para apoio. Devido à drástica redução no preço dos painéis solares desde 2010, foi considerado mais viável economicamente a disseminação do sistema ‘sol+diesel’ sobretudo nas pequenas comunidades, ficando o sistema ‘vento+sol+diesel’ indicado apenas para comunidades maiores e situadas perto do potencial eólico. Para ampliar a comunicação com as comunidades indígenas, o projeto lança a primeira edição do Boletim Cruviana.

– 2015: obtiveram-se avanços significativos nas negociações com representantes governamentais, que consideraram viáveis os projetos de geração em duas das três comunidades: Maturuca e Pedra Branca. O projeto Cruviana entra então em uma nova etapa: começam as discussões com as famílias indígenas sobre o pagamento da energia, feitas com base em estimativa do preço das contas e seguindo normas da Agencia Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). O acordo possibilitou que os moradores assinassem documentação favorável à instalação dos sistemas de geração, entregue ao Programa Luz Para Todos, em Brasília. No segundo semestre, inicia-se o Estudo de Risco Social da energia na comunidade. O estudo foi pedido pelas lideranças e executado pela Secretaria das Mulheres do CIR, com o objetivo de preparar a comunidade para eventuais problemas com o fornecimento de energia 24h.

– 2016: inicia-se um programa de formação de eletricistas Indígenas. Em março, o Ministério de Minas e Energia anunciou formalmente que irá instalar um sistema de geração de energia para mil pessoas em duas comunidades na Raposa Serra do Sol, por meio do Programa Luz Para Todos e com gestão do sistema pela Companhia Energética de Roraima (CERR). Negociações com esses organismos asseguraram que todas as unidades residenciais terão acesso à tarifa social de baixa renda. Na mesma ocasião, um novo problema surge: o Luz Para Todos solicita da CERR a elaboração de Plano de Obras detalhado, sendo que este órgão informa que não tem recursos para realização desta atividade. No segundo semestre, a parceria ISA-CIR-UFMA consegue captar recursos com apoiadores externos para contratar empresa especializada em elaboração de Plano de Obras detalhado. No final do ano, foi cumprida mais uma pré-condição para instalação do sistema: a realização de Consulta Prévia com moradores e lideranças das duas comunidades a serem beneficiadas.

Objetivos

Gerar energia solar e eólica em comunidades remotas da Amazônia como alternativa aos projetos hidrelétricos previstos com diversos impactos negativos para a região.

Público-alvo

Comunidades indígenas da Amazônia

Resultados

Os principais resultados desta iniciativa são potenciais por não terem sido ainda plenamente efetivados:
– Influência em políticas públicas: o Cruviana consiste em uma proposição tecnicamente possível e economicamente viável de alternativa de política pública em um campo temático em que as organizações da sociedade civil têm experiência muito limitada. O principal indicativo da viabilidade deste aporte é o anuncio feito pelo Ministério de Minas e Energia, em Março de 2016, que irá instalar um sistema de geração de energia para mil pessoas em duas comunidades na TI-RSS. O Cruviana contribui, assim, para mudanças no padrão energético brasileiro em ao menos dois aspectos importantes: (a) alternativa viável ao modelo de expansão da geração de energia, concentrado em grandes usinas hidrelétricas na Amazônia e transmissão em grandes potências a longas distâncias; (b) inclusão energética de comunidades indígenas e tradicionais, com baixo poder aquisitivo e que vivem em áreas remotas e dispersas.
– Melhoria do bem-estar e das condições de vida: nas duas comunidades que serão inicialmente beneficiadas (Maturuca e Pedra Branca), o sistema irá atender a 160 residências (89 em Maturuca e 71 em Pedra Branca) e 54 unidades produtivas e comunitárias (41 em Maturuca e 13 em Pedra Branca). Estima-se que os impactos diretos da chegada da energia elétrica às famílias indígenas ocorrerá em três dimensões principais: (a) melhorias no conforto, nas necessidades domésticas e nas condições da casa onde moram; (b) ao beneficiar unidades comunitária (escolas, postos de saúde e casa de apoio), o projeto irá gerar impactos nas condições de saúde e educação, melhorando, p.ex., o funcionamento dos postos de saúde e das atividades escolares durante o dia e sobretudo à noite; (c) ao beneficiar unidades produtivas (p.ex.: cozinha comunitária, oficinas e escritórios), aumentam as perspectivas de trabalho, produção e geração de renda. Mesmo que até aqui as assembleias indígenas só tenham aprovado a geração de energia para consumo das comunidades, cabe destacar que gestores públicos brasileiros declararam que este será um “primeiro passo” para que, no futuro, a terra indígena forneça energia ao sistema interligado nacional e lucre com isso.

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